jueves, 14 de abril de 2011

CARTA DE MARCOS CARUSO

Carta de Marcos Caruso, ator, dramaturgo, diretor e produtor teatral. Nela, o missivista cobra que se cumpra o que diz uma lei municipal de apoio às atividades culturais que, já aprovada na época, não havia sido posta em prática.


Não sou do tempo – mas quem educou os que me educaram o foram – em
que o fio de barba era sinal de acordo. Valia mais que a palavra, visto que
servia de prova. E também com eles aprendi que, ou talvez por moda ou por
medo, ao escassearem as barbas, seus fios foram substituídos pela pena,
uma espécie de fio de barba animal. E, depois, o preto no branco transformou
acordos em compromissos que, quando selados, eram garantia ainda
maior de cumprimento. Mas, talvez por moda ou por medo, os selos também
foram substituídos por registros e estes arquivados em cartórios. E,
para além dos cartórios, as leis e a Constituição comprometem um país e
seus cidadãos em não apenas compromissos particulares, mas públicos.
E também aprendi, vendo e vivendo, que, quando os compromissos particulares não são cumpridos, a despeito dos cartórios, dos registros, do
preto no branco, do fio de barba e, antes dele, da palavra, os honrados e
os honestos perdem os cabelos, fios que também são barba e foram um
dia palavra. Mas pagam. Cumprem. Honram. Dignificam seus ancestrais.
E, mais vendo que vivendo, aprendi que compromissos públicos, quando
não são cumpridos, talvez por moda ou por medo, os honrados e os honestos
se utilizam da palavra, e não mais do fio da barba, do preto no branco,
dos registros, dos cartórios e das leis, para não pagar, para não cumprir,
para não dignificar os seus ancestrais. Nós, quando não honramos nossos
compromissos particulares, somos despejados por falta de pagamento de
aluguel, nossos filhos são expulsos das escolas, não podemos circular sem
o IPVA dos nossos carros, são-nos fechadas as portas dos hospitais com
apenas um dia de atraso do plano de saúde e nossos telefones e água e
gás e luz nos são cortados. Em quem mais acreditar, para além das leis, se
estas foram feitas exatamente para nos proteger. Esta não é uma pergunta,
é um pensamento de quem sabe que respostas existem, mas sempre serão
manipuladas pela palavra que, nos tempos daqueles que educaram os que
me educaram, ainda era de honra. Ou a Lei do Fomento é cumprida ou o
pensamento acima vai nortear o futuro daqueles que um dia educaremos.
Marcos Caruso. Fórum dos Leitores. O Estado de S.Paulo.14/3/2005, p.A3.

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